Tia Nice e Peu com 2 meses. |
Ontem, minha tia-dinda faleceu, após lutar muito contra um câncer de mama agressivo e, hoje, foi o enterro.
Como foi em outra cidade e toda a família e amigos iriam, levamos Peu, que foi tranquilamente - ele gosta de passear nessa cidade.
No início da manhã, enquanto nos arrumávamos, parei e dediquei um tempo para conversar com ele:
- Filho, você sabe o que está acontecendo?
- Sei sim!
- Lembra que tia Nice estava muito dodói e que estava sofrendo muito?
- Lembro.
- Pois é, agora ela não sofre mais! Ela dormiu para sempre, amor, e não vai mais estar aqui conosco. Hoje, vamos para Candeias porque o corpo dela vai para lá. Você sabe que quando a pessoa dorme assim para sempre, ela morre, lembra? Pois é... a gente... - e ele me interrompe:
- Tá mãe, já entendi! A gente vai enterrar ela, né?
- É isso filho. O corpo dela fica aqui e ela vai lá para o céu, lá para pertinho de Deus, ser feliz!
- Mãe, e ela vai naquela caixa?
- É caixão filhote. Vai sim.
- Lá tem a fonte dos milagres, lembra? Eu vou tomar banho lá, pego um pouco da água e jogo nela.
Depois, continuamos a nos arrumar e seguimos. Ele, conversando com minha outra tia, fala:
- Tia Meirinha, você precisa enfrentar seus medos. Você vai ver o esqueleto de tia Nice. Mas eu vou segurar sua mão, tia Meirinha.
E foi um dia de pérolas!
Indagou tudo o que podia.
Eu falei que ele ficaria numa área externa, que ele nem precisaria entrar para ver, porque ela estaria muito diferente. E ele:
- É mãe, eu vou querer entrar, sim. Precisamos comprar uma flor para levar para ela. Ah, tem que ser uma bem leve e sem sujeira embaixo - se referindo à terra, dos jarros de planta - para não sujá-la.
Lágrimas caíram dos meus olhos e ele, olhando em meus olhos, diz:
- Vamos enxugar essas lágrimas? Pronto, assim fica melhor!
Eu explico:
- Filho, as lágrimas só estão me aliviando por dentro. Eu estou bem e já, já, essa dor e tristeza vão passar!
Daí, pegamos as flores e ele segurou nas mãos, pesando e fez expressão de satisfação, pois atendia ao primeiro requisito: era leve. Em seguida, passou a mão por baixo do jarrinho e disse: "ótimo! Limpinho!". Ou seja, atendia aos dois requisitos do "nhônhô"Peu.
Não teve quem o fizesse ficar do lado de fora. Ele já foi chegando e dizendo:
- Tia Nice morreu, sabia? Mas ela vai voltar a viver. Agora só tem o corpo dela aqui, mas o coração e ela estão lá - e apontou para o céu azul e limpo. Depois ela volta para cá - e aponta para o chão.
Ele a olhou e levou a cada um que chegava para vê-la. Ela curtia esse jeito espontâneo dele. E parece que ele estava fazendo isso para agradá-la, sendo quem ele é.
Houve um momento em que ele perguntou:
- E se ela vai voltar - porque ela vai voltar - afirmava ele - se tampar o caixão, como ela vai sair dali? Ela vai ficar sem ar... Sem conseguir respirar.
Olha, queria lembrar de cada palavra alegre e de consolo ele falou... E registro aqui o máximo que me recordo, para que ele mesmo se leia no futuro.
Durante o fechamento do caixão, minha prima fez uma carta de despedida/homenagem e eu fui ler. Como estava tomada por uma forte emoção - entender que era o melhor para ela, após tanto sofrimento e a saudade que fica - lia aos prantos. Ele, que estava com uma amiga nossa, do lado de fora, entra correndo e me abraça. Só sinto aquela mãozinha gostosa me envolver e dizer:
- Mãe, chora não. Respira! Inspira! Expira. - enquanto todos sorriamos, ele manda - Pronto! Agora posso ir!
Saiu e falou para nossa amiga:
- Minha mãe estava chorando e mandei ela respirar. Se ela chorar de novo eu volto lá. - simples assim... Risos
Nossa amiga disse que ele estava jogando no tablet, quando me escutou falar chorando e disse:
- É minha mãe! Ela está chorando! Peraê que eu vou lá e volto!
Um lindo!
Durante o sepultamento, ele desceu que eu nem vi... Quando cheguei lá, ele estava a postos, de frente para a "carneira" e falava sem parar. Perguntava se ali havia mortos-vivos. Se o cimento era especial, para que quando a tia acordasse, pudesse se soltar dali... Ao ser alertado sobre não pisar em determinado local, pois estava enterrado um bebê, ele fala: "Ninguém pode pisar aqui por causa desse anjinho...". Reclamou com o coveiro, por não ter quebrado o bloco certo e avisou: "Viu? Você quebrou errado, por isso que não fecha...". Perguntava porque as letras dali não estavam ali e, ao que responderam que roubaram as letras, ele ordena: "Chamem a polícia!". Pedia para que lessem os nomes nas lápides...
Já na casa da minha tia-avó, ele manda:
- Mãe, lembra o que tia Nice - a mesma que agora fora enterrada - me contou outro dia? Que quem morre vai para o céu e vira uma estrela? Ela está indo para o céu agora. Tia Nice vai virar uma estrela cadente, porque ela vai voltar para a Terra e terá que cair do céu...
Na estrada, de volta à nossa cidade - são próximas - já era noite e o céu escuro e ele grita:
- Olha, mãe, lá no céu! Uma estrela! Será que é tia Nice? Eu vou fazer um pedido: me manda um 'inatron'* de vida! E, mãe, você lembra da cartinha que Leleti escreveu para tia Nice? - referindo-se a uma carta/homenagem que minha prima escreveu. - Você pode falar tudo de novo, para eu ouvir? Eu gostei muito!
* - Inatron - para ele, que se diz um cientista, existem máquinas ou experiêcias para tudo que ele precisar...
E assim foi o dia do enterro... uma sucessão de pérolas de Peu - com certeza amanhã ou depois ou depois, lembrarei de mais e colocarei aqui - que deram o acalanto que precisávamos. Ele nos consolou de uma maneira peculiar, nos fazendo entender que é "simples, assim!". E com essa mesma simplicidade ele perguntava algumas pessoas: "Você lembra de tia Nice?", como quem queria que a gente entendesse e não sofresse, tipo: "é só lembrar dela.".
Ele convivia muito com ela e, por isso, para ele era simples assim só lembrar de coisas boas e lembrar que essas coisas boas devem ser lembradas!
Filho, obrigada por se revelar a cada dia um ser magnífico! Sua sensibilidade foi comovente e seu carinho imprescindível! Você nos ajudou a entender que a vida é muito mais importante do que a morte. Obrigada, por ser essa criança surpreendente!
Pat Lins.
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