quinta-feira, 14 de março de 2013

PEDRO E A PERDA/MORTE DE TIA NICE

Tia Nice e Peu com 2 meses.

Ontem, minha tia-dinda faleceu, após lutar muito contra um câncer de mama agressivo e, hoje, foi o enterro.

Como foi em outra cidade e toda a família e amigos iriam, levamos Peu, que foi tranquilamente - ele gosta de passear nessa cidade.

No início da manhã, enquanto nos arrumávamos, parei e dediquei um tempo para conversar com ele:

- Filho, você sabe o que está acontecendo?

- Sei sim!

- Lembra que tia Nice estava muito dodói e que estava sofrendo muito?

- Lembro.

- Pois é, agora ela não sofre mais! Ela dormiu para sempre, amor, e não vai mais estar aqui conosco. Hoje, vamos para Candeias porque o corpo dela vai para lá. Você sabe que quando a pessoa dorme assim para sempre, ela morre, lembra? Pois é... a gente... - e ele me interrompe:

- Tá mãe, já entendi! A gente vai enterrar ela, né?

- É isso filho. O corpo dela fica aqui e ela vai lá para o céu, lá para pertinho de Deus, ser feliz!

- Mãe, e ela vai naquela caixa?

- É caixão filhote. Vai sim.

- Lá tem a fonte dos milagres, lembra? Eu vou tomar banho lá, pego um pouco da água e jogo nela.

Depois, continuamos a nos arrumar e seguimos. Ele, conversando com minha outra tia, fala:

- Tia Meirinha, você precisa enfrentar seus medos. Você vai ver o esqueleto de tia Nice. Mas eu vou segurar sua mão, tia Meirinha.

E foi um dia de pérolas!

Indagou tudo o que podia.

Eu falei que ele ficaria numa área externa, que ele nem precisaria entrar para ver, porque ela estaria muito diferente. E ele:

- É mãe, eu vou querer entrar, sim. Precisamos comprar uma flor para levar para ela. Ah, tem que ser uma bem leve e sem sujeira embaixo - se referindo à terra, dos jarros de planta - para não sujá-la.

Lágrimas caíram dos meus olhos e ele, olhando em meus olhos, diz:

 - Vamos enxugar essas lágrimas? Pronto, assim fica melhor!

Eu explico:

- Filho, as lágrimas só estão me aliviando por dentro. Eu estou bem e já, já, essa dor e tristeza vão passar!

Daí, pegamos as flores e ele segurou nas mãos, pesando e fez expressão de satisfação, pois atendia ao primeiro requisito: era leve. Em seguida, passou a mão por baixo do jarrinho e disse: "ótimo! Limpinho!". Ou seja, atendia aos dois requisitos do "nhônhô"Peu.

Não teve quem o fizesse ficar do lado de fora. Ele já foi chegando e dizendo: 

- Tia Nice morreu, sabia? Mas ela vai voltar a viver. Agora só tem o corpo dela aqui, mas o coração e ela estão lá - e apontou para o céu azul e limpo. Depois ela volta para cá - e aponta para o chão.

Ele a olhou e levou a cada um que chegava para vê-la. Ela curtia esse jeito espontâneo dele. E parece que ele estava fazendo isso para agradá-la, sendo quem ele é.

Houve um momento em que ele perguntou:

- E se ela vai voltar - porque ela vai voltar - afirmava ele - se tampar o caixão, como ela vai sair dali? Ela vai ficar sem ar... Sem conseguir respirar.

Olha, queria lembrar de cada palavra alegre e de consolo ele falou... E registro aqui o máximo que me recordo, para que ele mesmo se leia no futuro.

Durante o fechamento do caixão, minha prima fez uma carta de despedida/homenagem e eu fui ler. Como estava tomada por uma forte emoção - entender que era o melhor para ela, após tanto sofrimento e a saudade que fica - lia aos prantos. Ele, que estava com uma amiga nossa, do lado de fora, entra correndo e me abraça. Só sinto aquela mãozinha gostosa me envolver e dizer:

- Mãe, chora não. Respira! Inspira! Expira. - enquanto todos sorriamos, ele manda - Pronto! Agora posso ir!

Saiu e falou para nossa amiga:

- Minha mãe estava chorando e mandei ela respirar. Se ela chorar de novo eu volto lá. - simples assim... Risos

Nossa amiga disse que ele estava jogando no tablet, quando me escutou falar chorando e disse:

- É minha mãe! Ela está chorando! Peraê que eu vou lá e volto!

Um lindo!

Durante o sepultamento, ele desceu que eu nem vi... Quando cheguei lá, ele estava a postos, de frente para a "carneira" e falava sem parar. Perguntava se ali havia mortos-vivos. Se o cimento era especial, para que quando a tia acordasse, pudesse se soltar dali... Ao ser alertado sobre não pisar em determinado local, pois estava enterrado um bebê, ele fala: "Ninguém pode pisar aqui por causa desse anjinho...". Reclamou com o coveiro, por não ter quebrado o bloco certo e avisou: "Viu? Você quebrou errado, por isso que não fecha...". Perguntava porque as letras dali não estavam ali e, ao que responderam que roubaram as letras, ele ordena: "Chamem a polícia!". Pedia para que lessem os nomes nas lápides...

Já na casa da minha tia-avó, ele manda: 

- Mãe, lembra o que tia Nice - a mesma que agora fora enterrada - me contou outro dia? Que quem morre vai para o céu e vira uma estrela? Ela está indo para o céu agora. Tia Nice vai virar uma estrela cadente, porque ela vai voltar para a Terra e terá que cair do céu...

Na estrada, de volta à nossa cidade - são próximas - já era noite e o céu escuro e ele grita:

- Olha, mãe, lá no céu! Uma estrela! Será que é tia Nice? Eu vou fazer um pedido: me manda um 'inatron'* de vida! E, mãe, você lembra da cartinha que Leleti escreveu para tia Nice? - referindo-se a uma carta/homenagem que minha prima escreveu. - Você pode falar tudo de novo, para eu ouvir? Eu gostei muito!

* - Inatron - para ele, que se diz um cientista, existem máquinas ou experiêcias para tudo que ele precisar...

E assim foi o dia do enterro... uma sucessão de pérolas de Peu - com certeza amanhã ou depois ou depois, lembrarei de mais e colocarei aqui - que deram o acalanto que precisávamos. Ele nos consolou de uma maneira peculiar, nos fazendo entender que é "simples, assim!". E com essa mesma simplicidade ele perguntava algumas pessoas: "Você lembra de tia Nice?", como quem queria que a gente entendesse e não sofresse, tipo: "é só lembrar dela.".

Ele convivia muito com ela e, por isso, para ele era simples assim só lembrar de coisas boas e lembrar que essas coisas boas devem ser lembradas!

Filho, obrigada por se revelar a cada dia um ser magnífico! Sua sensibilidade foi comovente e seu carinho imprescindível! Você nos ajudou a entender que a vida é muito mais importante do que a morte. Obrigada, por ser essa criança surpreendente! 

Pat Lins.

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